segunda-feira, 30 de março de 2009

Sorriso

Sorriso tímido ao encarar
Sorriso encantador ao contemplar
Sorriso largo, com todos os dentes a mostra
Sorriso nas roupas, no chapéu
Sorriso ao sorrir

Sorriso escancarado ao falar
Sorriso lascivo ao gozar
Sorriso bebendo água
Sorriso pedindo cerveja
Sorriso ao sorrir



Sorriso sincero ao partir
Sorriso de sono ao dormir
Sorriso efêmero mas constante
Sorriso ao sorrir

Sorriso bêbado escancarado
Sorriso fugaz fotografado
Sorriso dos cabelos ao vento
Sorriso de vida

terça-feira, 24 de março de 2009

Ausência


Pelos últimos anos da minha vida tenho-me feito ausente. Viagens e viagens. E eu ausente.

E minha ausência na vida dos outros acabou virando ausência na minha própria vida. Ausento-me de mim mesmo. Perco-me de mim mesmo em meio a travesseiros inodoros de hotéis insossos.

E alguns me perguntam: isso é vida? Como você consegue?

E eu me pergunto: fujo do que?

Talvez essa seja a maneira oficial de eu fugir de mim mesmo. Levar meus pensamentos e devaneios pra longe de todos. Não me ver refletido no olhar daqueles que me amam.

Talvez minhas ausências sejam muito longas. Talvez minha própria ausência já tomou meu lugar, usa meus chinelos e esquenta meu travesseiro, comanda a TV com o controle remoto.

Mas a ausência tem um lado bom: a chegada.

Quanto mais curta a viagem, mas deliciosa é a chegada: a ausência ainda não tomou o teu lugar no sofá. A ausência ainda não virou costume na vida dos outros.

E em cada volta pra casa, há algo que me enternece: a alegria da chegada daqueles que são recebidos por alguém. Eu os invejo, uma inveja boa, mas uma inveja. As flores perfumando, os cartazes gritando em letras vermelhas borradas, os balões sorrindo e as pessoas se emocionando.

Nas minhas viagens o pior momento nunca foi a partida, nem a ausência, sempre foi a chegada: costumava perguntar ao taxista como havia sido o tempo durante a semana para distrair minha tristeza pela flores que não me receberam.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Essa minha urgência me atrapalha

Essa minha urgência me atrapalha. Não, a frase não é minha, mas eu obtive permissão formal para usa-la.

Nossa urgência nos faz parece como um táxi levando uma grávida prestes a parir: sempre com pressa.

Vivemos na urgência. Tempos de comunicação fácil, internet, imediatismo. Tempo de aviões e ansiedades. Tudo precisa ser rápido para ser eficiente, se não é perda de tempo. Como se o orgasmo lento e profundo não fosse o melhor de todos.

Urgência em ser feliz, em ser bem sucedido, em ter o corpo em forma.

É tanta urgência que já cansei só de pensar.

E enquanto nossa urgência nos faz ter pressa, sede em demasiado como se vivêssemos num deserto, a vida passa aos nossos pés, bem devagar. E a cada esquina que a vida vira, mais urgência.

A urgência mostra sua pressa como faróis de carro atravessando uma ponte.


É tanta urgência que reclamamos que a vida passa rápido demais. Incutimos na vida as nossas urgências, e ainda temos a petulância de culpa-la por isso. Alguém poderia fazer o favor de colocar mais 24 horas em cada dia? Assim eu poderia riscar todos os itens urgentes da minha lista de coisas a fazer!

É tanta urgência que já cansei só de tentar. Será que alguém poderia fazer o favor de tomar as decisões por mim?

quarta-feira, 18 de março de 2009

Metrô

O metrô é democrático: pretos, brancos, pardos e amarelos. Crianças, adultos, novos, idosos e aqueles sem idade aparente.

É a democracia sem voz. Exceto por aquelas duas, ninguém fala. Uns dormem, outros cochilam, alguns as duas coisas.

E o que torna aquele senhor de cabelos brancos tão familiar? A mesma estação destino ou o olhar melancólico que não vê nada?

A moça morena de óculos grandes lê desinteressada o seu jornal.

O senhor de chapéu descansa o corpo ficando de pé.

Qual a sua leitura? Jornal, revista, quadrinhos ou o tempo que corre lá fora? Política ou zodíaco? Esporte ou obituário?

Pelas janelas as árvores passam sem abanar.

E aquela loira de farda militar? Sem batom ou pintura no rosto. Todo o charme no cabelo e no jeito de mascar o chiclete. Talvez o coturno esconda um pé delicado.

Os fones de ouvido criam diferentes mundos nesse pequeno vagão. iPods me mordam. Será que algum deles tem carnaval?

O metrô chora as lágrimas da chuva. Troca o dia pela noite entrando e saindo do subterrâneo. Rompe o branco dos flocos de neve sem piedade da beleza que eles trazem. Desafia o vento gelado com seu corpo metálico.

Troca de estação, mas a música é sempre a mesma: o tirintar dos rodas metálicas. Gospe e engole passageiros.

E aquelas que vêem poesia pelos trilhos devem pensar: uma pena a viagem ser tão curta...